Rescaldo dos cinco anos de mandato da Federação de Triatlo de Portugal.
Do programa eleitoral à prática há uma distância que é por vezes difícil de colmatar. A integração do novo executivo é um processo gradual que pretende implementar novos desígnios com hábitos e políticas enraizadas.
Durante os cinco anos da presidência de Vasco Rodrigues, a Federação tentou retirar da sua gestão o exclusivo do alto rendimento e de um calendário nacional compacto com o objetivo de adquirir capacidade para diversificar os caminhos da modalidade em Portugal.
O projeto global de gestão deve ser flexível para que possa adaptar-se parceiros, clubes, marcas ou comunicação social. «No programa eleitoral constava uma proposta de um circuito ibérico para garantir mais pessoas para a modalidade e organizar provas mais competitivas, mas rapidamente percebemos a sua inviabilidade», afirma Vasco Rodrigues, acrescentando que houve duas situações adversas, a primeira era que «a Federação Espanhola de Triatlon tinha um calendário próprio e uma direção diferente do que queria implementar», sendo a segunda «o modelo de difícil financiamento».
O Alto Rendimento: a construção do modelo
Colocando de parte o Circuito Ibérico, e iniciando uma relação sólida com a European Triathlon Union (ETU) e, posteriormente, com a International Triathlon Union (ITU), construiu-se a possibilidade de realizar em Portugal três Taças da Europa, beneficiando o alto rendimento. «O objetivo não era retirar dividendos financeiros, mas conseguir oportunidades competitivas importantes para os atletas, incluindo os nossos juniores que beneficiaram com a experiência, o que contribuiu, entre outras coisas, para os sucessos internacionais dos atletas mais novos.» João Nuno Batista conquistou o título de vice-campeão do mundo de triatlo júnior na segunda prova internacional em que participou, consguindo vantagem do grupo de treino e de atletas já com rodagem internacional. «Atualmente somos considerados um dos melhores países ao nível da formação no escalão masculino, sendo uma mais-valia para todos, porque os bons resultados espalham-se».
Vasco Rodrigues explicou que quando entrou na FTP, havia um modelo representação nacional, na consequência da incapacidade financeira da FTP em levar os atletas a provas internacionais. Apesar do princípio correto, como avalia o presidente, os atletas não se encontravam em igualdade de circunstâncias. As provas escolhidas, se focadas no objetivo de subir no ranking, podiam não ser as mais interessantes do ponto de vista competitivo. Em 2017, as representações nacionais foram significativamente reduzidas, substituindo-se por uma oferta construtiva de provas integradas no calendário criado pela federação. Com a realização da maioria das competições em casa, pois, além das três Taças da Europa, a FTP foi também introduzido o escalão de Elites nos Campeonatos Nacionais Individuais de Triatlo, perfazendo um total de cinco provas ao nível da Taça da Europa onde só participam os melhores triatletas, na esmagadora maioria de nacionalidade portuguesa. A diferenciação implementada no escalão de elites nas distâncias standard e sprint permitiu a introdução de mais uma prova em solo nacional de nível competitivo elevado, onde são aplicadas as regras internacionais de overlap. «Apesar de não ser consensual, continuo convicto que o esforço financeiro que fizemos num número alargado de atletas foi uma forma de alimentar atletas menos jovens de segunda linha. Sem nível competitivo para ter acesso a Taças do Mundo ou WTCS podem optar por participar em Taças da Europa, sendo também esses atletas que, ao competir com os mais novos, os irão beneficiar com a sua experiência competitiva», afirma Vasco Rodrigues.
Com uma estratégia montada com sucesso, e com os altos e baixos do alto rendimento, o presidente, que agora cessa funções, defende que é complicado gerir o alto rendimento em Portugal. Por um lado, os clubes e treinadores nacionais apresentam um nível e capacidade invejáveis de gerar campeões a nível internacional, podendo considerar-se um verdadeiro caso de estudo. Por outro lado, a dificuldade de gerir diferentes personalidades de treinadores que pretendem ascender ao topo mundial, cria clivagens difíceis de ultrapassar. «Apostámos fortemente na formação de treinadores, quase todos atletas de alto rendimento. Existem em Portugal vários treinadores com o objetivo de serem os melhores do mundo e que enquadram tecnicamente grupos de treino muito competitivos», explica Vasco Rodrigues.
A descentralização das provas do calendário de Triatlo
Em 2016 mais de 50% dos funcionários da FTP estavam afetos a tempo inteiro ao quadro competitivo (cinco de 12 pessoas trabalhavam a tempo inteiro para as competições, às quais se acrescentava mais duas dedicadas o alto rendimento e ainda duas que coordenavam as áreas administrativa-financeira dedicados às provas. O próprio Vasco Rodrigues explica que quando era diretor de competições organizava quase a totalidade provas do calendário. «Era muito importante implementar a regionalização e aumentar o número de delegados técnicos às provas, libertando os técnicos da FTP para desenvolver trabalho noutras áreas fundamentais para a afirmação nacional e internacional do triatlo. Para além de que o monopólio das provas retirava espaço à iniciativa privada muito importante para o desenvolvimento da modalidade».
Os delegados regionais foram outra aposta federativa de modo a colmatar a falta de provas fora da grande Lisboa. Sem experiências significativas de Triatlo, os atletas eram oriundos de outras modalidades como a corrida, a natação ou ciclismo. «Apostámos fortemente nos delegados regionais que desempenharam um papel fundamental na congregação das comunidades de clubes e do Triatlo Jovem do Norte e do Sul e também na região centro. Além disso, era importante aumentar o número de provas sem sobrecarregar a estrutura interna. Apostámos fortemente na regionalização, assumindo custos e selecionando as pessoas certas que desenvolveram um trabalho fantástico.» A dinâmica regional retirou participantes às provas nacionais, oferecendo-lhes maior segurança e proporcionando aos atletas mais jovens um ambiente menos competitivo que permitissem experiências agradáveis de Triatlo.
Outras áreas do Triatlo: formação e desporto para todos
Um olhar mais abrangente para outras áreas urgentes como a Formação e o ‘Desporto para Todos’ abriu novas perspetivas. Logo em 2017 iniciou-se o projeto da formação contínua de treinadores que, a par da atualização da aprendizagem, permitiu atribuir créditos para renovação de cédulas.
«Apesar do esforço que fizemos na organização de formações de curta e longa duração, a reestruturação do modelo do IPDJ de certificação de treinadores levou-nos de uma realidade de cerca de 250 treinadores para 91 em 2018, após a reestruturação. Contudo, criámos novos cursos e fizemos uma aposta muito forte nesta área o número de treinadores à data de hoje é já superior a 280», diz Vasco Rodrigues.
O Paratriatlo foi outra das propostas introduzida, não apenas como desígnio e obrigação da FTP, mas porque havia clubes interessados em desenvolver um trabalho significativo nesta área incluindo populações que podiam marcar a diferença. A captação do Filipe Marques, um jovem que era possível alcançar resultados internacionais, superou as expetativas:
«Ele esteve à porta dos Jogos Paralímpicos, obteve-se a primeira medalha nacional num Campeonato da Europa e fomos 5.º nos mundiais, reunindo-se todas as condições para marcar presença em 2024 em Paris. Criaram-se condições para fazer do Paratriatlo uma realidade», explica Vasco Rodrigues.
A outra área do Desporto para Todos vinha a delinear-se com o projeto do TriTry, uma aposta que ficou comprometida com a pandemia, uma vez que durante ano e meio não foi possível organizar provas para não federados. O projeto do TriTry foi acompanhado pela prova de iniciação, o My Triathlon Experience, competição que se apresenta como uma opção para os atletas que pretendem experimentar Triatlo, muitos deles a nadar, pedalar e correr pela primeira vez.
«Apesar do sucesso, não conseguimos reeditar o My Triathlon Experience. Quem experimenta percebe que afinal não é assim tão difícil dissipando alguns receios iniciais. Quanto ao TriTry fizemos as abordagens que tiveram feedback positivo de alguns Municípios, acabando por não avançar pela incerteza da pandemia. Ainda assim, existe o TriJamor, o Centro de Águas Abertas e o Correr Lisboa que vai avançar muito brevemente em Lisboa e Odivelas».
O Desporto Escolar
Apesar de ainda não estar a funcionar em pleno, a Federação reinventou o seu projeto de Desporto Escolar em 2020, já com a realização bem-sucedida de algumas ações realizadas.
«Após várias tentativas no passado, a FTP avançou finalmente com um projeto estruturado para que os mais jovens tivessem o primeiro contacto com o Triatlo/Duatlo de forma natural, tal acontece com outras modalidades que se encontram mais enraizadas no seio da comunidade escolar», esclarece Vasco Rodrigues.
O projeto estruturado da FTP aliada à disponibilidade das escolas, clubes e municípios conseguiu colocar o projeto em andamento e, só neste início de ano letivo, já quase 2 mil estudantes tomaram contacto com a prática do Triatlo.
A FTP já assinou protocolos com o Município de Lagoa, segue-se Sintra e Alhandra e o Norte encontra-se com uma tríade muito interessante que junta os Municípios de Lousada, Paredes e Penafiel, existindo ações de Triatlo em Oliveira do Hospital e Montemor-o-Velho.
«Com os três grupos de equipa por zona a constituir-se como uma realidade, temos condições de organizar um calendário regional a funcionar, o que já acontece em Lisboa e na área do Vale do Sousa com Penafiel, Lousada e Paredes», explica o presidente cessante da FTP.
Criada a dinâmica, será necessário continuar a apostar no Desporto Escolar, um pilar fundamental para o crescimento da modalidade.
Reflexões finais
A diversificação estratégica do Triatlo teve como principal objetivo deste mandato trazer mais pessoas para a modalidade, com um crescimento de atletas federados de quase 1000 atletas ao longo do mandato, o que, apesar da pandemia, representa um aumento líquido de 38,7%. É obrigação da FTP criar condições mínimas para realizar provas com um quadro competitivo justo e apropriado, mas criando espaço para surgirem organizações privadas apoiadas pela entidade federativa.
A realidade é que a Federação consegue alcançar poucas marcas de financiamento, mesmo com toda a comunicação adjacente, mas existe um interesse crescente da parte dos Municípios em dinamizar a sua região com o Triatlo, modalidade que valoriza as suas condições naturais: os triatletas mostram todo o potencial da região ao nadarem em rios, lagoas ou praias, ao pedalarem nas ruas ou trilhos e ao correrem nos paredões ou passeios marítimos.
Desta forma, aumentou-se significativamente o investimento municipal (em 2016 foi de 190.000€ e em 2019 o valor era já de 439.000€). O financiamento dos pilares da FTP foi assegurado, com um crescimento do apoios do IPDJ e do COP, fruto do crescimento de provas e do lançamento de provas internacionais em Portugal que tanto prestígio nos trouxe, como a única Prova de Qualificação Olímpica direta ou o Campeonato Mundial de Juniores. O ano de 2019 fechou com um rendimento de um milhão e oitocentos e setenta e cinco mil euros, o que representa um aumento de cerca de 600.000€, ou 54%, na capacidade de investimento da FTP em três anos. É importante, também, referir os outros investidores, dos quais se destaca os Jogos Santa Casa, cujo apoio financeiro tem crescido todos os anos e igualmente o regresso do apoio financeiro e material da Onda. A estes junta-se o apoio da Vitalis que se revelou importante para a realização de provas.
«Como notas finais sinto-me realizado quando olho para o meu Programa Eleitoral e constato que o que não fizemos do plano inicial deixámos alinhavado, o que me deixa de consciência tranquila. Mantive o foco e cumpri os objetivos a que me propus. Não posso deixar de dizer que iniciei em perda porque não tinha ao meu lado os meus dois pilares, David Vaz e Nuno Dias, os quais me fizeram muita falta. Espero deixá-los minimamente orgulhosos», concluiu Vasco Rodrigues que reforça também as amizades que construiu no Triatlo. «Acabei por encontrar um grande número de pessoas muito interessantes. Pessoas de clubes que têm, quanto a mim, uma atitude correta de estar, que premeiam mais a formação e integridade dos atletas do que os resultados. As pessoas mais especiais foram aquelas que trabalham cá e se mantiveram mesmo com o trabalho que era necessário ser feito, com a quantidade de provas que ainda está sob a nossa responsabilidade. Fiz amigos para a vida!»
O presidente que agora deixa a Federação de Triatlo de Portugal endereça os seus votos de muito sucesso ao próximo executivo e ao novo presidente Sérgio Dias, deixando ainda uma mensagem final. «É preciso ter consciência que todos aqueles que aceitam o desafio de integrar a FTP o fazem da melhor forma que podem e sabem. A responsabilidade social de todos torna-se fundamental para o crescimento saudável da modalidade.