Com 34 anos, António Fortuna assumiu em novembro de 2018 funções na direção e coordenação do alto rendimento.
Qual é a tua formação base?
Licenciei-me em Educação Física pela Universidade Lusófona de Humanidade e Tecnologias, depois de uma juventude muito ligada ao desporto. Somos cinco irmão dos quais quatro seguiram a área do desporto, apesar de os meus pais serem os dois advogados.
Quando iniciaste a tua vida profissional?
Comecei a trabalhar na Câmara Municipal do Seixal quando ainda estava a frequentar a faculdade. Estive ligado ao ensino e treino da natação, fui preparador físico de nadadores e tenistas. Acabei por ficar a trabalhar na Câmara como Técnico Superior de Desporto.
Falaste-me num projeto em que estiveste envolvido.
Sim, fui convidado para a criação do primeiro ginásio exclusivamente para diabéticos através da Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal, onde tive funções de coordenação do espaço durante três anos, mas também de preparação de atletas diabéticos de todas as idades. O programa pré consulta incluía o ‘Circuito Primeira Vez’, onde o diabético passava por três sessões de formação: exercício físico, motivação e alimentação, cujo objetivo era principalmente alterar o estilo de vida, para poder estar na melhor condição física de modo a adaptar a farmacologia.
Que tipo de formação disponibilizavam?
O estilo de vida tem muita influência na diabetes tipo II, há muitas pessoas que se alterarem a alimentação, praticarem exercício físico e ganharem motivação para manter estes hábitos podem fazer regredir a doença. O ginásio disponibilizava o enquadramento das sessões de treino, além de momentos formativos aos técnicos e utentes dos Centros de Saúde.
E depois disso por onde seguiste a atividade profissional?
Integrei nos últimos dois anos a função de Diretor Geral da Federação de Remo, uma instituição que tinha passado recentemente por um processo de insolvência. Foi muito interessante poder estar ligado à renovação de uma modalidade desportiva em Portugal, onde foi possível contribuír para as mais diversas àreas de atividade, tais como a reorganização e regulamentação de quadros competitivos, organização das seleções nacionais tendo em vista Tóquio 2020 e relacionar todas estas àreas com a sáude financeira da organização. Muito poucos desafios profissionais me fariam abandonar o projeto do remo, mas o da FTP era seguramente um deles, já que é a minha área de maior investimento profissional. Foi com um grande orgulho que vim exercer as funções de DTN.
Como vieste parar ao Triatlo?
Eu tinha um colega na Câmara do Seixal, quando era Técnico Superior da Câmara, que me desafiou a experimentar a modalidade: foi paixão à primeira vista! Mantive-me sempre como atleta amador para conseguir uma prática regular de atividade física e desportiva, e acabei por ficar ligado durante alguns anos como treinador à Associação Naval Amorense A seguir estive no Belenenses com o Pedro Freire, que me tem acompanhado nesta caminhada e ambos voltámos à Associação Naval Amorense.
E continuas como treinador?
Atualmente não exerço funções de treinador, uma condição que considero necessária para exercer este cargo de modo isento nas tomadas de decisão ou para não colocar em risco as instituições ou clubes às quais eu eventualmente estivesse ligado. A independência era um ponto fundamental.
Como defines o ponto em que se encontra o Triatlo hoje?
O Triatlo é uma modalidade com uma longevidade bastante grande e, por outro lado, demasiado recente no panorama internacional. Os ciclos olímpicos têm sido sempre diferentes e se calhar a partir de agora é que vamos assistir a uma revolução da modalidade, com um desempenho uniforme por parte dos atletas nos três segmentos. Se de algum modo se privilegiava a natação e a corrida, ficando o ciclismo para segundo plano, atualmente os triatletas têm que mostrar valências nos três segmentos. É o amadurecimento da modalidade que provavelmente irá ditar diferenças em Tóquio 2020.
Quais são os objetivos desta função que assumiste?
Queremos apostar numa equipa de estafetas que se qualifique para os Jogos Olímpicos Tóquio 2020. Seria a primeira vez que teríamos duas atletas femininas nos mesmos Jogos Olímpicos, além dos dois atletas masculinos. A qualificação da equipa de estafetas não começou da melhor maneira para nós, porque o modelo de acesso às competições foi realizado com base nos rankings das Taças do Mundo e WTS, antes de sabermos que a prova por estafetas mistas seria modalidade olímpica. Deste modo, nesta primeira fase de qualificação, não tínhamos ranking que nos permitisse ter acesso às primeiras competições pontuáveis.
Em termos práticos, como contam os cinco melhores resultados, no máximo três por casa período, eu acredito que ainda vamos ter um bom resultado neste primeiro período e três no segundo e último de qualificação. Era muito importante atingir esta meta e para isso será necessário que todos compreendam que temos que ter uma consciência coletiva e nível forte de coesão, o que até agora não era tão necessário na nossa modalidade.
Já existe uma equipa mista em vista?
Está tudo em aberto nesta altura, estamos a um ano e pouco do final da qualificação olímpica, sabemos que existe muito potencial, mas que depois terá que se efetivar nos resultados. Vai ser um período extremamente exigente e para qualquer atleta ser elegível terá que estar nos 140 primeiros lugares do ranking. Apesar da qualidade inegável de alguns atletas, estes têm que conquistar os pontos necessários para estarem elegíveis para a equipa estafeta. Este misto de condicionantes vai requerer uma responsabilidade redobrada, critérios rigorosos na presença em competições e responsabilidades partilhadas na obtenção de boas classificações.
Qual o caminho para a obtenção de resultados?
Temos que ser capazes de trabalhar em conjunto na gestão e na decisão, sou extremamente defensor das equipas multidisciplinares, do contributo coletivo não só a nível dos diferentes treinadores, mas também de outros agentes de diferentes disciplinas como a Fisioterapia, a Medicina, a Psicologia ou a Nutrição.
Por outro lado, é também importante obtermos dados longitudinais que caracterizem os nossos atletas, realizarmos controlos de treino sistemáticos, que não só funcionam como ferramentas muito importantes para os treinadores e atletas conseguirem mensurar o seu estado, mas também para evoluírem no caminho dos seus objetivos. Posteriormente, temos que saber analisar os dados de modo a conseguir traçar objetivos realistas. E se todos nós tivermos a preocupação de sermos honestos, competentes e realistas no trabalho que fazemos, os resultados a alcançar serão tendencialmente melhores.
O que pode influenciar os atletas?
Um grupo forte pode influenciar individualmente os atletas, a comparação com os pares é a melhor forma de evoluir, em que o contributo coletivo é uma forma de aumentar a competência. Por outro lado, é mais fácil gerir em grupo as ansiedades competitivas, onde, por exemplo, a psicologia, pode ter uma intervenção fundamental. Para conquistar índices de excelência, os atletas têm que se comprometer com a modalidade, com a estrutura, com as direções técnicas e com os treinadores de modo a que esse compromisso possa ser recíproco. Queremos que exista um compromisso real das pessoas para que haja também um investimento cada vez maior.
O que falta fazer?
Verificamos duas coisas: ainda não temos triatletas olímpicos que tenham iniciado a sua carreira desportiva no triatlo, pelo que temos alguma expetativa de haver triatletas provenientes das escolas de formação de triatlo e, quem sabe, ter os nossos primeiros atletas de nível olímpico vindos da formação do triatlo.
Por outro lado, existe a necessidade de, em conjunto com os treinadores, conseguirmos reter o atleta praticante na modalidade. Nós verificamos que muitos dos jovens talentosos e promissores estão a ficar pelo caminho, sendo necessário repensar a nossa abordagem do treino dos mais jovens ao contexto competitivo. Dado que o triatlo tem grande longevidade, não deveria ser necessário queimar etapas.
A ideia é tornar a abordagem muito apelativa aos jovens, disponibilizando formatos que permitam que as escolas de triatlo identifiquem os atletas que pretendem manter-se num formato competitivo, mas sem esquecer aqueles jovens que querem usufruir do triatlo como uma prática regular de atividade física, entrando numa prática competitiva, comparando-se com os seus pares, mas evitando a pressão da obtenção do resultado.
Infelizmente, estamos muito direcionados nas camadas mais jovens para o modelo da competição idêntico ao das Elites, mas acredito que estamos a conseguir sensibilizar os treinadores para não copiarmos os modelos competitivos dos mais velhos.
E quando achas que isso vai haver alteração do modelo competitivo jovem?
Não acontece da noite para o dia, vai obrigar a uma reflexão, a um contributo de vários treinadores com experiência na modalidade, à sensibilização dos agentes da modalidade que passam pelas famílias, pelos pares escolares. É preciso ‘abanar’ as estruturas que integram o desporto, dando importância aos fatores de desenvolvimento biológico dos atletas.
O que está efetivamente a mudar no Triatlo?
Estamos a assistir a uma alteração nos modelos competitivos, nas distâncias, nos formatos, nos tipos de terrenos das provas e nomeadamente com segmentos de corrida e ciclismo mais desafiantes. Temos por exemplo segmentos de ciclismo mais exigentes, alterações dos percursos de corrida que eram tradicionalmente planos; apareceram as estafetas que vieram alterar o quadro competitivo das nações, inclusive em Portugal, uma das grandes mudanças e objetivos a atingir no Triatlo.
Os nossos treinadores têm níveis de formação bastante elevados, preocupam-se em desenvolver um trabalho criterioso, mas vamos ter que perder a necessidade de conquistar os títulos jovens a todo o custo, avaliando um bom treinador apenas pelos resultados dos seus atletas. É importante avaliar outros parâmetros como o índice de retenção na modalidade, os atletas mais motivados, o espírito de equipa vigente. Há mais fatores que devem ser valorizados pela FTP e pelos restantes colegas de profissão para que todos compreendam as vantagens desta forma de estar no desporto.